12 de nov. de 2008

CICLO DA BORRACHA NA AMAZONIA (1850-1910)

O ciclo da borracha se estendeu desde meados do século XIX até a primeira metade do século XX. Este estudo irá se concentrar desde 1850 até 1920. Realizar se á uma abordagem econômica sobre a temática da borracha e sua importância para a ocupação da região Norte do Brasil.

Percebe se que nos anos iniciais, antes de 1850, a borracha da seringueira não ocupava uma importância de destaque na exportação da região Norte e muito menos no cenário mundial. Produtos como o tabaco, o café, o algodão, o arroz e a castanha eram os mais comercializados na região e em portos de Belém e de Manaus.

O habitat da seringueira, hevea brasiliensis, era a Floresta Amazônica. Era também de onde se extraia a melhor borracha de látex, para a aplicação e fabricação de produtos como bolas para jogos, sapatos e capas.

O Brasil ganhou destaque internacional a partir do processo de vulcanização da borracha, descoberto por Charles Goodyear, em 1839, e aperfeiçoado por Hancock, em 1842. Eles tornaram a borracha mais resistente e quase insensível às variações de temperatura, deixando a mais elástica e impermeável. Com isso o seu uso aumentou significativamente na Europa e Estados Unidos. A borracha virou matéria prima de objetos domésticos e hospitalares, alem de ser usada em indústrias e materiais bélicos e até na construção naval. Porem foi após a invenção do pneumático em 1890, que a industrialização da borracha aumentou consideravelmente nas cotações do mercado internacional.

Quando a borracha adquiriu um caráter rentável e muito lucrativo o Brasil se tornou a melhor fonte da matéria prima. Pois em toda a região Amazônica havia seringueira. Como as autoras Maria Ligia Prado e Maria Helena Capelato afirmam as lavouras, os engenhos, os cafezais e os sítios foram abandonados e em troca todos se dirigiram para a extração do látex das seringueiras. Constitui-se um novo ramo na região Norte: os seringais.

Como o método da extração da borracha era muito simples e não danificava a arvore muitas pessoas decidiam de arriscar na floresta para tentar extrair o látex. Para melhor exportação e melhor acesso também, os seringais sempre eram próximos as margens dos rios. Porem no começo os seringais eram próximos as ilhas, como a de Marajó, mas com a forte demanda internacional logo outras regiões foram sendo ocupadas e a floresta foi sendo invadida. Nessa segunda metade do século XIX a maioria da população brasileira vivia no Sudeste do país. Segundo um censo populacional de 1862 havia 149.854 habitantes na região Amazônica. Isso porque existia muita dificuldade de penetração, alem de inexistência de atrativos econômicos. A maioria da população dessa região era mestiça; brancos, europeus, asiáticos e negros eram poucos. O Governo Brasileiro, após o desenvolvimento da borracha, vendo que havia pouca mão-de-obra disponível na região passou a incentivar a ocupação dessa área. Para tanto propuseram incentivos nos gastos de transporte e alimentação.

O Nordeste brasileiro que vivia em crise desde o século XVIII, por causa da decadência da economia açucareira, foi o maior responsável pela ocupação da região Norte. Tentando melhorar de vida muitos nordestinos se dirigiram para a floresta Amazônica tornado-se seringueiros. Como aponta Celso Furtado, o numero de migrantes nordestinos não deve ser inferior a meio milhão de pessoas. E eles foram fundamentais para a economia brasileira desse período e também para a ocupação e demarcação de fronteiras, como no caso do Acre ocupado por seringueiros brasileiros que foi anexado ao Brasil através do Tratado de Petrópolis.

Quanto ao seringal e o dia-a-dia nele percebe-se que os donos dos seringais eram pessoas importantes e que se utilizavam de métodos agressivos para se imporem aos seringueiros. Estes sem muitas saídas tinham que se adaptar à exploração dos patrões. O seringal era subdividido em Centro e Margem. Na Margem existiam os barracões onde residiam os seringalistas, donos dos seringais, e onde eram armazenados os produtos e alimentos trazidos das cidades para serem revendidos nas casas aviadoras, nome dado ao lugar onde era comercializado os produtos e onde se recebia a borracha produzida. Bem próximo a Margem existia o Centro, lugar onde havia as habitações dos seringueiros. Elas eram bem simples, feitas com palhas e um pouco de madeira e levemente suspensa para evitar enchentes e animais selvagens. O centro era como era conhecido o interior do Seringal, onde trabalhavam os seringueiros. Nesse local havia barracões onde os seringueiros faziam a defumação do látex.

As técnicas de produção da borracha eram as mais rudimentares e simples. O seringueiro partia geralmente de madrugada para a floresta e só retornava de tarde. Ficava em media dezesseis horas por dia trabalhando. Ao retornar ao barracão de tarde ele passava ao trabalho de defumar o látex. A borracha resultante era muito heterogênea e dividida em três classes. A primeira era chamada de borracha fina e possuía o maior valor comercial e era também a de melhor qualidade. A segunda era chamada de borracha entrefina e era constituída pelo látex não trabalhado imediatamente que alcançava um estado grumoso ao ser levado à defumação. Por ultimo havia os Sernambis, borracha de qualidade inferior que era feita com resíduos de látex que cai no solo e se misturava com a terra. Todas as bolas de borracha produzidas eram entregues aos donos de seringais que por sua vez repassavam aos barcos de recolhimento que iriam levar a borracha para a cidade e exportar.

Os seringueiros viviam geralmente sozinhos, sem famílias, já que muitos ou quase todos eram migrantes Nordestinos que buscavam melhoria de vida. Mas a vida no seringal era rígida, não se podia produzir nada, pois iria atrapalhar o seringueiro na extração da borracha. Os alimentos fornecidos a ele vinham do dono do seringal e eram cobrados preços altíssimos. Sem ter outra escolha o seringueiro era obrigado a comprar os produtos. Enquanto estava na mata ele era vigiado por capangas do seringalista. Se tentasse fugir era morto ou se perderia na imensidão da floresta. Os poucos que conseguiam obter êxito nas fugas chegavam a Belém o Manaus sem nenhuma condição de voltar ao Nordeste e acabavam virando mendigos pelas ruas das cidades.

No que se diz a respeito à borracha e sua importância econômica para não apenas o Norte e sim para o Brasil percebe-se que desde o inicio dos anos 1800 havia produção de borracha. Porem de forma não significativa na economia. Somente após o ano de 1850 que a borracha tornou-se o principal produto de exportação do vale do Amazonas, fazendo com que desaparecessem produtos como o tabaco, o café, o arroz, o algodão e ate mesmo que diminuísse a produção de cacau e castanha-do-pará. Desse ano em diante a borracha passou a ser exportada ainda bruta, ou seja, do jeito que era defumada. De certa forma porque não havia no país fabricas de artefatos de borracha. Todo o látex extraído era destinado à exportação.

E quanto mais o mercado internacional necessitava mais o Brasil produzia e mais a borracha se tornava valorizada. Era como se o país fosse o único a produzir borracha, já que a concorrência asiática e africana não representava nem 20% juntas. Na década de 1850 a borracha representava 2,3% das exportações brasileiras e o café representava 48,8% e o açúcar 30,1%. Após a crise açucareira no Nordeste e o surto exportativo da borracha em 1910 a sua exportação representava 28,2% contra 51,3% do café e 1,2% do açúcar.

Cada ano que se passava crescia mais e mais a exportação da borracha e com ela os preços se duplicavam. Pessoas ficavam ricas do dia para noite e cidades como Belém e Manaus se tornavam metrópoles. Durante os anos que se sucederam a borracha brasileira foi se tornando a maior do mundo. Ela representava em 1892 a 61% da produção mundial. Quase toda ela era importada pela Inglaterra que revendia a países da Europa e Estados Unidos.

Como todos ou quase todos do Norte brasileiro se dedicavam aos seringais, os governadores das províncias temiam que acabasse a produção agrícola. O que de fato ocorreu. Praticamente todos os produtos agrícolas passaram a ser importados da região Sudeste e Nordeste. Era quase inimaginável pensar que a borracha iria se esgotar ou os preços cairiam ou ate mesmo que iria existir concorrência estrangeira. Tudo isso porque as seringueiras eram nativas da Amazônia e os lucros com ela fáceis. Era tal a riqueza das pessoas envolvidas com o comercio da borracha que dizia que acendiam charutos com notas de cem libras esterlinas, que quando alguém tinha dor de dente ia à Europa se tratar, ou ainda que as roupas eram lavadas em Paris. Lendas ou não os únicos que não lucravam nada com a exportação da borracha eram os seringueiros, que cada vez mais eram obrigados a trabalhar mais e mais. Por outro lado Belém e Manaus eram cidades ricas e exuberantes. Elas tinham água encanada, eletricidade, bondes, telefones, tudo o que ainda era um luxo para cidades como Rio de Janeiro e São Paulo.

Cada ano que passava o lucro era maior. A última década do século XIX e as primeiras do século XX constituíram a época áurea da borracha. Os preços altos alcançados no mercado internacional jamais tinham sido atingidos anteriormente e muito menos foram posteriormente. O único possível rival do Brasil nesse período era a África, mas como a borracha produzida nesse continente era de péssima qualidade praticamente não se exportava. Mas a partir de 1900 a produção asiática entrou em cena no mercado internacional. No inicio representava apenas 4 toneladas de borracha exportada enquanto o Brasil nesse mesmo período exportava cerca de 35 mil toneladas por ano. Porem as seringueiras asiáticas eram cultivadas. Por outro lado o Brasil agia de forma primitiva na extração de látex, utilizando os mesmos recursos que os indígenas do período pré-colombiano utilizavam. Buscando acabar o quase monopólio produtivo da borracha, o governo britânico passou a produzir e estudar as seringueiras. Sir Henry Wickman, em 1876, levou à Europa mudas de seringueiras nativas da Amazônia, a hevea brasiliensis, a que produzia o látex de melhor qualidade. As mudas que vingaram foram reembarcadas para o Ceilão e novas mudas foram sendo recolhidas na Amazônia e enviadas às colônias inglesas e holandesas na Ásia. Como leva apenas seis anos para poder retirar da seringueira o látex, logo os asiáticos começaram a sua produção. Tudo custeado pelos europeus que tinham abandonado o vale do Amazonas em busca dos lucros das plantações do Oriente. Dos países asiáticos onde tinham plantado as seringueiras, a Malásia foi a que mais lucro trouxe para os comerciantes.

A produção asiática era feita de forma diferente da do Brasil. Era organizada e racional e logo suplantou a produção amazônica. Outro ponto a favor da produção asiática era a mão-de-obra barata e abundante, também tinha a seu favor fretes reduzidos e transportes fáceis, ou seja, todo o custo de produção na Ásia era inferior ao da Amazônia. Em um exemplo simples percebe-se a dificuldade da produção na Amazônia: enquanto um seringueiro na Floresta Amazônica retira um quilo de látex entre oito e quinze dias, um seringueiro na Ásia recolhia três quilos de látex por dia. Com isso a Ásia produzia mais borracha com um custo menor e logo passou a ocupar lugar de destaque no comercio mundial. Por outro lado a exportação brasileira caia drasticamente. A maior exportação brasileira registrada tinha sido em 1912, com 42.410 toneladas, depois disso a exportação caiu e nunca mais voltou aos preços anteriores.

O governo brasileiro tentando defender os seus interesses e o interesse dos exportadores tomou varias medidas. Em 1910, já temendo concorrência asiática, foi organizada a Associação Comercial do Amazonas onde se realizou um Congresso com o intuito de criarem um plano de extração do látex com baixo custo. Acreditando-se que o preço da borracha subiria outra vez estocaram a matéria-prima, mas com temor de que ela se deteriorasse acabaram por abandonar o plano. O governo federal passou a incentivar descobertas e pesquisas para melhorar a extração, coagulação e prensamento da borracha, incentivou a plantação de seringueiras, concedeu isenção de transportes e impostos gratuitos, porem de nada adiantou.

Para se ter uma idéia de como os preços caiam muito e deve tomar como base o preço de exportação em 1850 que era de 118 libras por tonelada. Já em 1860 o preço era de 125 libras e na década seguinte era de 182 libras por tonelada. Em 1910-11 o preço atingido, como citou Celso Furtado, era de 512 libras por tonelada, ou seja, o preço mais que tinha decuplicado. Porem a partir de 1912 o preço caia assustadoramente por causa da concorrência asiática.

Em relação as medidas tomadas pelo Governo Federal a que mais parecia solucionar a crise da borracha era o decreto nº 2543A, de 5 de janeiro de 1912. Ele tinha o objetivo de desenvolvera cultura da seringueira e o beneficiamento da borracha. Dentre as medidas propostas por esse decreto as principais visavam à isenção de impostos, criação de sete estações experimentais de seringueiras (no Maranhão, no Piauí, na Bahia, no Acre, no Amazonas, no Para e no Mato Grosso), alem de abertura de créditos para os que quisessem investir na borracha. Porem o projeto nunca foi posto em pratica. Muitos deputados criticavam o incentivo que o Governo estava oferecendo a borracha dizendo que o mesmo nunca tinha sido ofertado para o café nos tempos de crise.

A produção da borracha entrou em colapso mesmo foi após o ano de 1920, onde a Ásia era responsável por 98% da produção mundial. Mas como a oferta cresceu mais que a procura e o preço diminuiu mais ainda em 1921, tanto que nesse ano chegou a valer menos de 8 libras por tonelada, relembrando que dez anos antes valia 512 libras.

O que caracterizou a crise da borracha foi que os lucros obtidos com ela não eram investidos de volta, porque muitos viam na floresta uma fonte inesgotável, já que as seringueiras eram abundantes por toda a região, desde a Bahia ate o Acre. Sem contar que boa parte da floresta ainda era inexplorada e era onde se acreditava que existiria uma maior quantidade de seringueiras. Não houve no Brasil uma política de defesa da borracha, pois ninguém esperava existir uma crise em um futuro tão próximo.

A crise da borracha que se seguiu após o ano de 1920 fez muitos abandonarem os seringais e voltarem ao campo para a Agricultura e Pecuária. Mas muitos seringueiros ficaram nas regiões e vilas dos seringais. Como não havia comércio, indústria ou algo do tipo para sobreviver, os seringueiros que ainda viviam na floresta ficaram na mais absoluta miséria tendo que para sobreviver caçar e pescar. Desenvolviam a mais primitiva economia de subsistência, sem dinheiro e nem recursos para retornarem aos seus lugares de origem.

BIBLIOGRAFIA

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 32.ed. São Paulo: Editora Nacional. 2003.

PRADO, Maria Ligia Coelho. CAPELATO, Maria Helena Rolim. A Borracha na Economia Brasileira da Primeira Republica. in: FAUSTO, Boris (org.). O Brasil Republicano. 6.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. PP. 287-307 ( Historia Geral da Civilização Brasileira, v.8)

WEISTEIN, Barbara. A Borracha na Amazônia: expansão e decadência, 1850-1920. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1993.

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